Simbolismo e identidade no andor da Festa de Nossa Senhora do Amparo 2024, Valença-BA
- Paulo Vitor Luz
- 21 de out.
- 2 min de leitura
A Festa de Nossa Senhora do Amparo de 2024 apresentou um andor cuja concepção ultrapassou o campo da ornamentação religiosa. Elaborado por Brenno Neves, com a colaboração de familiares e amigos, o andor sintetiza dimensões estéticas, históricas e sociais que caracterizam a continuidade da devoção popular à Nossa Senhora do Amparo, em Valença-BA.
A estrutura apresenta composição vertical, marcada pela centralidade da imagem da padroeira, cercada por um arranjo de flores que combina tons lilás, azuis e amarelos. Essa escolha não busca apenas beleza, mas traduz um modo de organizar o olhar sobre a fé, revelando como os valencianos transformam o gesto devocional em uma forma de expressão cultural.
Na base do andor, destaca-se um relógio com algarismos romanos, elemento que estabelece um diálogo direto com o relógio instalado na torre direita da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Datado do século XIX, o antigo mecanismo acionava sinos que marcavam as horas do dia e, por muitos anos, foi mantido em funcionamento por Seu Petrônio, homenageado na obra. Ao incorporar essa referência, Brenno Neves recorda a presença desse guardião da memória local e resgata uma dimensão material da história do templo, vinculando a criação contemporânea à trajetória da própria igreja e de sua devoção.
A homenagem também se estende a Dona Moçazinha, benfeitora da igreja e figura central na organização da Festa do Amparo por décadas. À frente do Grupo do Amparo, ela desempenhou papel fundamental na preservação das práticas devocionais e na manutenção da capela, coordenando reformas e promovendo ações que garantiram a continuidade da festividade. Sua lembrança, inscrita no andor, reafirma o protagonismo de pessoas que sustentaram a devoção e a sociabilidade em torno da santa padroeira de Valença e dos Operários da Companhia Valença Industrial (CVI).
Outro aspecto de destaque é a presença das bandeiras do Estado da Bahia e do Município de Valença, posicionadas lateralmente ao andor. A escolha de incorporar esses símbolos territoriais reforça o vínculo entre a religiosidade e a identidade local, situando a festa no cruzamento entre fé e representação cívica. Ao lado da veneranda imagem do século XVIII, as bandeiras afirmam que a Festa do Amparo pertence tanto à dimensão espiritual quanto à história social de Valença e do Estado da Bahia.
Outro elemento relevante é o sistema de iluminação instalado na base e nas laterais do andor. O recurso, hoje tradicional, surgiu como uma solução prática diante da ampliação do tempo da procissão, que ao longo das décadas passou a estender-se até a noite em razão do aumento de fiéis e de homenagens à padroeira ao longo do trajeto. A iluminação, portanto, garante a visibilidade e a preservação da beleza do andor durante todo o cortejo, tornando-se parte integrante da dinâmica contemporânea da festa.
O andor de 2024 constitui um documento da própria festa. Nele se condensam memórias, ofícios, afetos e valencianidades que atravessam gerações. Sua criação revela que a Festa de Nossa Senhora do Amparo não se limita ao calendário religioso, mas continua a ser um campo de produção de sentido, onde a cidade reafirma sua história por meio da festividade.
É justamente nesse diálogo entre passado e presente que a festa se mantém viva: como prática de memória e como expressão concreta da cultura popular valenciana, que o Memorial Amparo se dedica salvaguardar, revitalizar e difundir.























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