
Missa dos Operários
A manhã do dia 8 de novembro, data consagrada à padroeira de Valença, é marcada por uma intensa programação que tem início ainda na madrugada, com a tradicional alvorada festiva. Às 5 horas, a cidade desperta com uma alvorada festiva que anunciam o grande dia. Logo em seguida, às 6 horas, devotos e devotas sobem a Colina Sagrada para acompanhar o Ofício de Nossa Senhora. É neste contexto que, às 7 horas, tem lugar uma das mais significativas celebrações da festa: a Missa dos Operários, expressão de uma religiosidade popular enraizada na história sociocultural e fabril da cidade.
A designação “Missa dos Operários” remonta à estreita relação entre a devoção à Nossa Senhora do Amparo e os trabalhadores da indústria têxtil valenciana. A Companhia Valença Industrial (CVI), instalada no sopé da Colina Sagrada, teve como padroeira a Virgem do Amparo, o que consolidou um vínculo simbólico e devocional profundo entre os operários e a santa. Os trabalhadores da CVI chegaram a contribuir diretamente para a realização da festa por meio de descontos em seus salários, reafirmando a estrita relação entre os trabalhadores da fábrica e a devoção. Essa relação fundou, ao longo do tempo, a centralidade da Missa das 7 horas como a celebração dos trabalhadores e das classes empobrecidas da cidade.
Diversos elementos atestam o caráter singular dessa missa. Um dos mais marcantes é o costume de subir a Colina Sagrada vestido de branco e com os pés descalços — gesto permeado por simbolismo e sustentado por diferentes narrativas sobre sua origem. Segundo relatos da tradição oral, operários do turno da madrugada, ao saírem diretamente do trabalho, retiravam as botas devido ao cansaço e à rigidez do calçado, participando da missa descalços. Outra versão bastante difundida relata que fiéis acessavam a igreja por uma trilha que atravessava as instalações da fábrica e conduzia a uma nascente d’água, tida como milagrosa, localizada nas proximidades da lateral esquerda do templo. Durante esse percurso, os devotos caminhavam descalços, recolhiam a água para beber ou lavar partes do corpo em rituais de proteção, e seguiam para a missa sem calçar os sapatos — prática que se consolidou como demonstração de fé, penitência e gratidão.
A Missa dos Operários se constituiu também como a Missa do povo, contrapondo-se, em certa medida, à Missa Solene das 10 horas, historicamente frequentada por setores sociais de maior poder aquisitivo. A forte adesão popular e o envolvimento coletivo conferiram à Missa das 7 horas o status de celebração central da Festa do Amparo.
A partir do final da década de 1980, a incorporação do rito de coroação da imagem de Nossa Senhora do Amparo, iniciativa de Maria dos Anjos (Dona Moçazinha), liderança do antigo Grupo do Amparo, intensificou ainda mais o caráter afetivo e simbólico da celebração. A coroação tornou-se um dos momentos mais emocionantes da manhã do dia 8, quando a cidade, representada por seus devotos, presta sua homenagem máxima à padroeira: a coroação como Rainha de Valença.
Até os dias atuais, a Missa dos Operários preserva seu papel de celebração identitária e de resistência da religiosidade popular. Nela se entrelaçam memória operária, fé do povo valenciano e expressões culturais híbridas que compõem o tecido simbólico da Festa do Amparo.




























